Para a terceira pessoa

20:45 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (1)

Não quero vê-lo. Não quero ouvir suas mentiras e nem mesmo me enganar com o auto-engano proposto por ele à ele mesmo. Não. Não quero mais partilhar o tempo com o meu torturador, que exerce sua maldade na simples alternância de ser desejo e ferida.
Sedutor, involuntário ou perverso, seduz pela inocência que cerca o mal de sua existência punidora. Em todo seu encanto é matéria frágil e delgada, contradito objeto amado, de miudezas orgânicas e implicâncias infortúnias na proporção do que sente calado e com sede.
Hoje, gostar e não gostar são a mesma coisa.
A crise do dia é de tempo concluso, espera e saudade que se sente antes de, de fato, saudade ser. O observado é a união de inícios solitários: finais, acasos, barulhos do ilogismo e ornitoromances (ode ao neologismo que não é meu e, sim, das berenices).
No pequeno do que é, é parte conteúdo e parte encanto. Mais encanto que conteúdo. Mais encanto que objeto. Mais encanto que qualquer outra coisa. Já do outro, o outro é beleza vazia.

A competição foi travada entre mim e uma guirlanda de natal.

A culpa não é de todo dele, por essa tortura chinesa. A culpa é dividida com minha natureza astrológica, que tende a transformar aspirações em gastrite nervosa e refletir demais sobre o óbvio não dito, que pela clareza é quieto.

Querido objeto amado, por favor, seja entre silêncio, sorriso e encanto, palavra.


Decepção

15:27 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (0)

Já não bastasse o som do berimbal, a cadeira dura, o encosto áspero, o vento quente, o sol de 40 graus, o cheiro do lixo. A saliva descia seca com o sabor amargo da limonada, do amor e da idade. Ele está jovem e só e, a maior decepção, é a do limão por não conseguir adoçar sua vida.


(micro-conto do marlon, micro-conto do eduardo, micro-conto do limão).

Eu quis te conhecer

23:49 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (0)

Uma das únicas pretensões da sanidade desse espaço é a de não ultrapassar a linha do ridículo. Mas o mundo já aboliu essa linha e a dificuldade é manter-se fora dele. O espaço do ridículo é todo aquele dedicado à queda interior, porque mal-querido é aquilo de infelicidade que guarda a alma. O encontro com as tristezas tende a ser tardio, porque toda tristeza é um pouco de desencontro. O tardio chegou cedo para mim, e eu as estou conhecendo, querendo ou não. Na mente que as guardo, a construção é uma como as de Jean-Pierre Jeunet, mas antes do desfecho, retém-se na busca, no conflito que espera a trilha dos pianos e dos amores. O sentimento é semelhante ao de um monge que durante a vida oscila entre olhar para si e para uma estrela. A estrela involuntariamente ilumina os sonhos do monge e, mesmo sem querer, ela o faz se sentir cuidado. A estrela só existe para que o monge não se sinta só, mas a estrela tem consciência apenas do seu brilho e não daqueles que brilham por ela. Onde se econtra o monge com a estrela? Todo amor que nasce próximo à distância, nasce triste. Mas toda distância também é mãe de amores. É de um trecho de Marcelo Camelo, "Eu quis te convencer mas chega insistir, caberá ao nosso amor o que há de vir. Pode ser a eternidade má, caminho em frente para sentir saudade". A música diz muito. Quando a estrela não brilhar mais, o monge vai ter suas lembranças de luz, mas quando a memória lhe falar, ele terá uma grande escuridão. Aí então outras estrelas surgirão, e ele não vai mais se apaixonar, porque aprendeu que quem cuida também vai embora. Aí então o monge saberá que todo amor é, também, partida.


Conto para a Regina (LIPII)

10:19 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (0)


Conto de Carolina Dias narrado por Fábio Freitas.

Os Sete Pecados na Capital

18:20 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (0)

De tanto praticá-los, eles saíram do campo das idéias e se materializaram nos componentes físicos da vida moderna. Mas não se confunda o pecado não está na imagem. O pecado está no olho de quem vê.
Através do processo de associação, a imagem possibilita que o receptor busque em seu repertório um significante para o estímulo visual ao qual foi exposto, entretanto o Mercado Municipal não é apenas visual, o Mercado Municipal é sinestésico.
O interessante na análise semiótica é que a identificação do objeto não se relaciona de forma lógico-racional com o significante, a relação entre estes é arbitrária, já que o primeiro pode ser lido de maneiras diferentes. Frutas. Lixo. Gestos. Pessoas. Expressões.

Conhecer é traduzir algo que não se conhece.


Olhar é projetar-se. Identificar os sete pecados no Mercado Municipal de São Paulo exige, antes de mais nada, que você reconheça o pecado dentro de si.

Medo em 1994

23:48 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (1)

Esse post começa com o marlon em estado de choque.
Juro! Olha, se você um dia resolver fazer um vídeo para a posteridade, não dance! Fale coisas sem sentido, conte uma piada ruim, pule corda, rebole num bambolê, cante num karaokê, cuspa fogo, ore, adestre animais, faça mágica, faça filhos, faça silêncio, faça um cabrito levitar, vire purpurina, vire cambalhota, vire de costas e fuja, mas pelo amor de deus NÃO DANCE!
Isso é um conselho sério e necessário. Provavelmente a pessoa que teve essa idéia no infeliz ano de 1994 já foi macumbada por uma guangue de ex-misses revoltadas que são alvo de zombação de seus filhos que hoje se defrontam com suas mães cagando no maiô em rede mundial.
Se você não tem estômago forte, se você já não gostava dos clipes da mara-maravilha, se você costuma ter pesadelos, eu recomendo que não assista.









Comentário pertinente: a Miss Nigéria 1994 é o satanás.

Ovo (realismo fantático - LIP II)

02:03 / Postado por Marlon Brambilla / comentários (0)

Do pouco que tenho a dizer sobre mim, ainda menos é sobre meu corpo. É um corpo normal. Entre normal para bom e normal para ruim, eu diria normal para normal. Corpo. Aglomerado de material orgânico que alcança a altura de um metro e setenta e cinco centímetros, setenta e seis quilogramas, cor pálida, textura macia, consistente, de proporções bem distribuídas e aspecto saudável. No âmbito matéria, é um corpo que não surpreende, mas é também um corpo que não deixa a desejar. Muito do que sou como pessoa tem a ver com o que sou como genética, mas muito do que sou como genética não tem nada a ver com nada.
A manhã começou assim, em uma posição voltada para o espelho e um olhar voltado para mim. A mochila da faculdade deveria ser esvaziada do material inútil, mas eu a enchi com ainda mais do que não precisava, não se trata de uma relação de prazer com o peso, trata-se de uma solidariedade com as coisas vazias.
Pias, copos, caixas velhas, gavetas novas, malas, bolsos, bolsas, vasos, tuppewares. Talvez meu propósito fosse esse, preencher as coisas que precisam ser preenchidas.
O dia decorreu dentro do comum, acelerado e em cenários grandes, de um planeta que me fez miúdo e alheio ao contexto das coisas. Pequeno e vazio, carregava o peso do mundo dentro de uma mochila feliz por sentir-se completa.
Fui ao banheiro, lavei as mãos, destaquei duas folhas de papel da máquina que afirmava uma ser suficiente, joguei no cesto de lixo recém trocado, me senti limpo. A caminhada pelo piso refinado continuou até a noite, num mundo de lâmpadas ligadas por sensores do movimento. Passei, nada. Passo novamente. Nada. Já não bastasse minha própria sala escura e vazia, uma outra mais palpável me confronta com a inexistência, sinto uma palpitação incomum no peito. Ofegante. Ausência de sentido. Breu.

Ser clichê: ambulância, hospital, médico, radiografia.
Ser ser: Há algo de incomum.
Nada: A radiografia não encontrou seu coração, isso é um ovo.

Ovo? Como poderia alguém ter um ovo no lugar de um coração?
O médico pareceu maravilhado, eu permaneci apático. Entre ser e matéria, o ovo estava nos dois.

Sei que se o amor não existisse ele seria criado pelos botadores de ovo.

A receita médica indica repouso e analgésicos. Dentre os conselhos, eu deveria permitir que alguém quebrasse a casca, eu poderia crescer alguns centímetros, talvez unir uns galhos, construir um ninho.